Porque não é por sentimento vago,
Nem por simples e vã literatura,
Nem por caprichos de um estilo mago
Que sinto tanto a tua essência pura.
Mas sinto porque te amo e te acompanho
Pelas montanhas de onde sóis saudosos
Clarões e sombras de um mistério estranho
Espalham, como adeuses carinhosos.
Sinto-te as linhas imortais do flanco,
E as ondas vaporosas dos teus passos
E todo o sonho castamente branco
Da volúpia celeste desses braços.
Sinto a muda expressão da tua boca
Feita num doce e doloroso corte
De beijo dado na veemência louca
Dos céus do gozo entre o estertor da morte.
Sinto os teus olhos fluidos, de onde emerge
Uma graça, uma paz, tamanho encanto,
Tão brando e triste, que a minha alma asperge
Em suavíssimos bálsamos de pranto.
Uns olhos tão etéreos, tão profundos,
De tanta e tão sutil delicadeza
Que parecem viver lá n’outros mundos,
Longe da contingente Natureza.
Olhos que sempre no tremendo choque
Dos sofrimentos íntimos, latentes,
Tem esse toque amigo, o velho toque
Original das lágrimas ardentes.
Sinto que a mesma chama nos abraça,
Que um perfume eternal, casto, esquisito,
Circula e vive com divina graça
Dentro do nosso trêmulo Infinito.
E tudo quanto me sensibiliza,
Fere, magoa, dilacera, punge,
Tudo no teu olhar se cristaliza,
No teu olhar, no teu olhar que unge.
Cruz e Sousa