quinta-feira, agosto 20, 2020
quinta-feira, agosto 13, 2020
Ser autêntico exige um alto preço -- preço que pouquíssimos
estão dispostos a pagar. Você pode ser linchado pela opinião pública (como Zola
no caso Dreyfus), você pode ser vítima de atentado (como Sartre na Guerra da
Argélia), você pode tomar cicuta (como Sócrates), você pode ser crucificado
(como Jesus). Ou então você muitas vezes vai ser obrigado a andar sozinho,
nadar contra a corrente, dar murro em ponta de faca... Nem todos estão
dispostos, na hora do cafezinho, numa reunião familiar, numa festa de amigos, a
serem vistos como estranhos, exóticos, excêntricos -- sobretudo quando não há
glamour nessa excentricidade. Mas, beleza, eu entendo, é mais seguro andar na
mesma direção do rebanho. Só não se queixe se você for classificado naquela
categoria que Fernando Pessoa chamou de "besta sadia", "cadáver
adiado que procria"...
olw
O auge da cultura europeia – ou cultura
anglo-franco-germânica – se deu na segunda metade do século XIX, quando esta
cultura se estendeu, como modelo e norma de civilização, por todo o Globo. A
consciência deste auge – e por conseguinte de seu inevitável declínio – se
manifestou por exemplo no movimento que precedeu e preparou o simbolismo: o
decadentismo, que tem o seu nome inspirado no seguinte verso de Verlaine: “Je
suis l'Empire à la fin de la décadence”. (Outro, aliás, que se debruçou sobre
este tema foi Nietzsche.) Mesmo as vanguardas do século XX – e o apogeu dessas
vanguardas está nas duas primeiras décadas deste século – são frutos serôdios
do que desabrochou em Baudelaire, Flaubert e o ‘Salon des refusés’. A cultura
hegemônica do século XX (jazz, cinema, fast-food), o chamado século americano,
é ao mesmo tempo prolongamento, decadência e negação da civilização
oitocentista.
Ao que tudo indica, o século XXI será asiático, mas não mais
a Ásia exótica – mística, vasta e paupérrima – que fascinou os europeus do
século XIX. Mas sim uma Ásia que por conta de um século europeu e outro
americano se revestiu – e às vezes se investiu – profundamente dos valores
ocidentais, embora a base ainda permaneça quase intacta. E a América Latina?
Cabe a nós decidirmos se queremos continuar periferia de uma civilização em
declínio ou subúrbio de um mundo (embora mais antigo ainda) ascendente.
Infelizmente nossas elites se sentem europeias (ou norte-americanas), exiladas
nessas plagas incultas, e por isso temo que nos atrelem, sempre de forma
subordinada, a um universo que está no seu ocaso, sem se dar conta que o novo,
e um novo simultaneamente fascinante e assustador, vem do Oriente – assim como
o Sol.
OlW
A modernidade nasceu entre 1857 e 1863. No primeiro ano
foram lançados Flores do Mal e Madame Bovary -- e toda a poesia e o romance
modernos estão contidos em germe nessas obras. Em 1863, com o salão paralelo
dos que foram recusados no salão oficial, o Salão de Paris, nasceu o embrião do
que viria ser as artes visuais modernas.
Interessante, a modernidade na literatura (sobretudo na
poesia) nasceu marginal. Flores do Mal e Madame Bovary sofreram processos por
atentado aos bons costumes -- e Baudelaire, ao contrário de Flaubert, perdeu.
Tascaram-lhe uma multa e tiraram seis poemas de seu livro. Agora, a modernidade
nas artes visuais nasceu sob os auspícios de Napoleão III, que determinou e
organizou o 'Salão dos Recusados'. Isto talvez explique uma hierarquia de
valores até hoje no mercado das artes: primeiro o artista visual, depois o
romancista e finalmente o poeta, que não entrou na festa, mas ficou na rua
estacionando os carros.
OLW
PERDAS
Falar, escrever, ver nas palavras os sentimentos e ouvir a
música das letras na constelação do alfabeto. Ai de nós que somos apenas essa
poeira, restos imortais da guerra entre as estrelas. Humanos demais para amar
de verdade. Leia no primeiro comentário e saia da órbita desse mau elemento.
..
PERDAS
Duas vezes perdi tudo
No chão as duas perdas
Duas vezes mendiga
Bati às portas de Deus.
Duas vezes vieram anjos
E trouxeram duas vezes mais
Político, banqueiro
Pai, estou pobre outra vez
Emily
Dickinson
Por antonio
thadeu wojciechowski
O tempo não é uma linha contínua, mas um cruzamentos de
fios, uma rede que nos enreda, uma trama que nos reclama.
Num desses fios ainda sou uma criança. Olho os adultos e não
os entendo. Por que tanta pressa, tanta correria?
Em outra linha sou um ancião. Sábio. Apaziguado. No entanto,
mais ao lado, este mesmo ancião é um velho amargurado, praguejando contra a
vida que poderia ter sido e que não foi.
Em outra parte do tecido, sou um jovem -- ora afoito ora
melancólico. Conversando numa festa. Voltando para casa sozinho. Chutando
pedras no caminho.
Ali eu estou ainda nascendo. Mais adiante estou escrevendo,
concentrado, o olhar perdido. Aproximo-me para ver o que ele (eu) está
escrevendo. Ora, é este texto.
O tempo não é uma linha contínua. Mas uma rede, uma trama,
um sudário. Como um texto. Como este texto.
Otto Leopoldo Winck